NEM TUDO SÃO FLORES NA HOLANDA
BLOEMENCORSO de SASSENHEIM
Claro que todos que assistiram ao desenho animado do Lippy e do Hardy na década de 80, devem estar lembrados da célebre frase que acabou definindo um estado de desânimo e pessimismo como “Síndrome de Hardy“.
Nada reconhecido pela OMS, evidentemente, mas assim definido por alguns especialistas quando vêem seus pacientes em estado de profunda melancolia.
A dupla foi criada em 1960 pelos estúdios de Hanna-Barbera, nos Estados Unidos, e 20 anos após fez sucesso no Brasil.
O site deusnogibi.com.br retrata Elias, um dos profetas do Antigo Testamento, como se fosse o Hardy. Neste site, em uma leitura rápida, o leitor degusta cada palavra. Vale à pena dar uma olhada.
IMAGEM DESTACADA – Roteiro do Bloemencorso de Sassenheim.
POIS BEM! – Neste dia, mô quiridu, se a depressiva e pessimista hiena Hardy estivesse em nossa companhia, certamente cortaria os pulsos.
HOLANDA . BLOEMENCORSO de SASSENHEIM
Quando o Inesperado Nos Faz Várias Surpresas.
Ora, se tínhamos como objetivo visitar o maior parque florido do mundo, Keukenhof, por que não assistir ao Blomencorso de Sassenheim? Para quem não sabe, trata-se do maior desfile de carros alegóricos cobertos de flores do mundo! Além do mais, achamos que um complementava o outro e por isso fomos atrás de mais flores.
OBSERVEM O SEGUINTE: Há dois desfiles desse tipo e um deles é na cidade de Zundert. Neste desfile ocorre um lanche diferente, porque a plateia interage com a festa e vota no carro que acha mais bonito, independentemente de um júri técnico.
Esse desfile deve ser mais interessante que o Bloemencorso Bollenstreek. Não somente porque cada alegoria é devidamente explicada para a plateia, bem como há outras atrações complementares dignas de nota, como por exemplo, a fanfarra.
Saiba mais clicando no link abaixo, um dos blogues mais completos a respeito da Holanda e de autoria de uma brasileira: https://holandesando.com/bloemencorso-zundert-maior-parada-de-flores-do-mundo/
Não assistimos a esse desfile de Zundert, mas ao outro que nos decepcionou e que nada teve a ver com os momentos difíceis pelos quais passamos. Vamos lá.
COMO CHEGAR
Saímos de Amsterdam lépidos e fagueiros rumo à Sassenheim, imaginando assistir a um baita desfile de um local privilegiado. Estaríamos bem instalados em confortáveis cadeiras, e um almoço ou lanche caprichado nos seria servido. Pelo menos, era isso que dava a entender o anúncio publicado em famoso site de aquisição de bilhetes de atrações no exterior.
Compramos nossos ingressos, coisa e tal, porém… não foi nada disso. Mas, vamos começar pelo desembarque na estação da cidade.
DESEMBARQUE EM SASSENHEIM
Já sabíamos de antemão que teríamos que caminhar aproximadamente 2 km até chegarmos à “Tribuna VIP” (só rindo!), cujos ingressos adquirimos pela internet, como dito acima, com direito a almoço.
Como não sabíamos a que horas sairíamos da Tribuna “VIP”, compramos os bilhetes de trem só de ida. Descemos na estação, e seguimos o mapa que havia copiado da internet; ou seja: saímos da plataforma, pegamos a Wasbeekerlaan, passamos por baixo da linha do trem e seguimos em frente. No final desta rua dobramos à esquerda na Hoosfdstraat até encontrarmos uma arquibancada – a tal “Tribuna Vip”, que em absolutamente nada se parece com a foto postada no Google.
OBS: A rua Hoosfdstraat, que anunciam como sendo o endereço dos puleiros, muda de nome e passa a se chamar Rijksstraatweg. É justamente nesta rua, no número 54, onde fica o puleiro que você vê na foto.
Outra coisa: as caixas minúsculas azuis que se vê à direita do puleiro, são os banheiros públicos nojentos a que me refiro mais abaixo.
VIAJANDO e APRENDENDO – SERÁ MESMO?
Mas as coisas começaram a mudar a partir daí e tivemos surpresas que servem de aprendizado para qualquer viajante.
A ARQUIBANCADA
1º: Em determinado momento avistei uma estrutura de metal coberta por um toldo. Não, não podia ser aquilo – uma estrutura tão ou mais capenga que aquelas do Carnaval carioca de antigamente.
Apesar de a indicação no mapa estar correta, não acreditei naquela aparição e continuei a procurar outra estrutura mais adiante – quem sabe, não haveria mais uma? Estiquei o pescoço o mais que pude, mas não vi nada nem parecido. Diante do óbvio ainda perguntei se ali era a Tribuna Vip e quase caí dura quando veio a resposta: era ali mesmo…
2ª: Os assentos das cadeiras eram presos em cima de uma estrutura de metal vazada, e o vento gelaaado vinha de todas as direções, principalmente de baixo… Ô Primavera! Estávamos a passeio nos Países Baixos, tudo bem, mas nada a ver congelar os nossos! Nada a ver!… Não contei até três e sentei em cima da bolsa. Em principio fiel escudeiro resistiu, mas o vento era mais frio e forte que sua bravura e ele acabou cedendo e sentou-se em cima de sua bolsa tira-colo.
Enquanto isso uma bandinha atacava a todo vapor na frente do poleiro enquanto o almoço não vinha.
O ALMOÇO
Mas, e o almoço? Vinha de onde? Não havia nada que pudéssemos chamar de cozinha ou algo parecido; nem um balcão, nada! Resolvi perguntar lááááá embaixo. Desci do último poleiro manobrando o corpo para não pisar no pé de ninguém, e fui perguntar pelo almoço a um senhorzinho que portava um crachá do desfile. Uma senhora a seu lado meteu-se na conversa e me indicou um restaurante do outro lado da pista. Mas, como? Havíamos pago pelo dito cujo e lhes mostrei o vaucher onde dizia que o almoço seria servido “in loco”! Foi aí que o senhorzinho acordou e nosso pesadelo começou.
Ele abriu uma caixa de papelão e retirou um sanduba de queijo com presunto e mais um copinho com uma sopa quaaase fria. Escalei a arquibancada carregando as 4 porções do “almoço” – furibunda, prá não dizer outra coisa – e ainda tive que me equilibrar, de novo, para não cair nos vãos da estrutura e nem no colo de ninguém. Gente, foi demais! Isto é: foi de menos! Foi muito de menos se é que me entendem. E a bandinha atacando e enchendo o saco…
Não demorou para que o desfile começasse, felizmente. Primeiro passou uma banda muito bonita, bem organizada, todos uniformizados.
O BLOEMENCORSO
Após aproximadamente meia hora de espera, os carros alegóricos totalmente cobertos por flores começaram a desfilar.
Com absoluta certeza, o desfile foi mais bem visto da calçada da avenida do que do puleiro.
Em Keukenhof a situação é beeemmm diferente! Como o movimento do parque é grande, na hora em que o desfile passa todos correm para os mesmos lugares e se amontoam. Aí, istepô, corres o risco de “mofar com as pombas na balaia.“
Para que tenham idéia, os carros desfilam em um único dia. Todos partem da cidade de Noordwijk e seguem por 42 km até Haarlem. Nesta cidade os carros permanecem em exposição até o final do dia seguinte, a fim de que possam ser apreciados. Na manhã do terceiro dia eles são retirados porque as flores murcham e os carros perdem sua graça e valor.
3º: o desfile foi intercalado por veículos que nos lembraram muito os antigos cortejos fúnebres que vez ou outra via passar na rua em que morava e me deixava deprimida mesmo criança: coroas de flores nos tetos dos carros.
Esses carros, em grande número no desfile, somados ao desconforto, ao frio, à sopa fria e às belas alegorias que havíamos visto, já estavam de bom tamanho e por isso optamos por descer do puleiro e ir embora. Mas, como ainda tínhamos que caminhar mais de dois quilômetros para voltar, optamos por passar nos banheiros químicos antes de embarcar na viação canelinha (as pernas).
4º: eram apenas dois banheiros químicos para o público da “Tribuna Vip”. Confesso que ao vê-los de perto me pareceram muito familiares. Devido ao estado deplorável em que estavam – imundos e quebrados até dizer chega -, tive a nítida impressão de que eram refugos herdados de algum Carnaval do Rio de Janeiro.
DECEPCIONANTE!
Não entendi uma situação dessas acontecer em um país que não decepciona em tecnologias. Exemplo disso é o banheiro do Cobra Café, que prima por serviços públicos decentes.
Nessa de voltar para a estação de trem, constatamos que seria bem melhor ter apreciado o desfile da beira da avenida do que empoleirados naquela arquibancada.
Isto porque, ao longo da avenida Rijksstraatweg nós ficamos tão próximos dos carros alegóricos, que podíamos escolher o melhor ângulo para filmá-los ou sacar uma foto. E ainda digo mais: havia trechos em que não havia ninguém para aplaudi-los.
E havia quem se ajeitasse sentando no meio-fio: as crianças.
TREM – AQUISIÇÃO DE INGRESSOS
5º: No acesso à plataforma do trem havia uma máquina de venda de bilhetes… Porém, além de não sabermos usá-la até aquele momento, também não era a hora para aprender seu manuseio devido ao acesso contínuo de passageiros à máquina; e como não queríamos atrapalhar ninguém, não ousamos nos aproximar dela. Fomos então em direção ao que imaginávamos ser um anexo da estação de trem, mas era uma garagem. Um senhor nos viu e, percebendo que estávamos em dificuldades, aproximou-se de nós e perguntou se precisávamos de ajuda.
Resumo: foi com seu auxílio que aprendemos a lidar com a máquina. O senhozinho, sem se importar com a formação da fila, paulatinamente foi apertando aqueles botões e nos mostrando como comprar nossos bilhetes. Este primeiro anjo apareceu em nosso caminho justo na hora em que precisávamos de ajuda; ou seja, nossa ida até àquela garagem não foi em vão. São a esses sinais que o Universo me oferece com certa frequência que estou atenta; mas, os sinais não pararam por aí porque o outro chegou alguns momentos mais tarde em uma situação muito pior que passo a lhe contar agora.
NA PLATAFORMA DO TREM
6º: Fomos para a plataforma. O vento frio soprava forte e nuvens carregadas, ainda longe, anunciavam que uma poderosa chuva não tardaria a cair. Mas isso era nada diante do tempo que já estávamos esperando pelo trem, e nada…
Repentinamente, um aviso foi anunciado pelo autofalante e a maioria das pessoas foi embora; mas, como não entendemos nada de holandês ou inglês, permanecemos na plataforma. Nós dois e um casal de japoneses. E nada de trem… Já fazia mais de duas horas que estávamos lá, o frio cortando e queimando nossos rostos e o danado não vinha.
Repentinamente, chegaram três brasileiros à plataforma: era um casal com dois filhos pequenos, sendo que um deles era um bebê, e mais uma jovem habitante de uma cidade próxima de Amsterdam – soubemos desse lance mais tarde. Não demorou muito e mais um casal de brasileiros chegou à plataforma; estes dois juntaram-se aos três, e nós dois permanecíamos em outro canto.
UM ACIDENTE…
Após outro comunicado pelo autofalante os cinco optaram por sair. Outra leva de pessoas foi embora e nós continuávamos lá. Os brasileiros voltaram, esperaram mais um tempo e saíram novamente. Como tivemos vontade de ir ao banheiro e não havia toaletes na plataforma, tivemos que sair, passar embaixo da linha do trem, fazer uma caminhada, para então chegarmos a uma cadeia americana de fast food que estava botando gente pelo ladrão. Quando vi as filas dos banheiros, pensei que não chegaria “a tempo” ao vaso sanitário porque eram imensas! Fila única! Mas, como nada acontece por acaso, foi lá que encontramos os brasileiros e, não por acaso, nos aproximamos.
Após mais ou menos uma hora retornamos para a plataforma, e logo a seguir os cinco chegaram. Foi aí que aconteceu o seguinte: mais um aviso foi dado pelo autofalante, e desta vez noticiaram que um acidente impedia de a linha ser aberta e que não sabiam quando o tráfego de trens voltaria ao normal. Quem traduziu o aviso para nós foi a jovem brasileira que morava na Holanda.
Imediatamente a jovem consultou o celular ,e constatou que um dos ônibus que parava perto daquela garagem, que pensávamos ser a estação de trem, poderia nos deixar no aeroporto. Seria ótimo, porque no subsolo do aeroporto embarcaríamos em um trem até a Centraal Station e estaria tudo resolvido.
A CHUVA DE GRANIZO
Até esse momento decisivo já havia passado mais de quatro horas de espera. Uma chuva de granizo já havia caído, a temperatura baixado bem mais e o frio já havia ficado insuportável porque era bem maior que o tipo de agasalho que usávamos.
Saímos todos mais uma vez da plataforma, passamos por debaixo da linha do trem e fomos para o ponto dos ônibus que, felizmente, não demoraram a chegar. Na verdade, apenas um deles nos servia. Pagamos passagem e lá fomos nós, aliviados, para o aeroporto.
Ao desembarcarmos agradecemos penhorados pela prestimosa ajuda, e nos despedimos desejando felicidades uns aos outros e cada um tomou seu rumo.
NADA ACONTECE POR ACASO…
Sempre digo isso porque credito piamente nos sinais que o Universo nos mostra. Vejam bem: não fossem os brasileiros, não saberíamos por quanto tempo ainda teríamos que esperar para sair dali.
Reconheço que não sei explorar a telefonia celular como devia, e nem sei se adiantaria saber. Sabem por quê? Levando-se em conta o “telemóvel” jurássico que levo nas viagens com a finalidade de controlar o pagamento de contas, tenho certeza de que não adiantaria nada.
Não os utilizo para embarques em aviões porque prefiro imprimir os bilhetes. Vai que na hora H o dinossauro falha? Como é que ficaria a Degas aqui, diante de uma situação dessas? Até girar a manivela do magneto, aparecer imagem na tela, catar o bilhete no e.mail… Nem pensar!
FINAL FELIZ
ao embarcarmos no trem com aquele bilhete comprado na máquina pelo senhorzinho, e saber que em apenas quinze minutinhos estaríamos em Amsterdam. E assim foi.
VALEU À PENA? SIM e NÃO e EXPLICO O PORQUÊ.
Caso não tivesse acontecido o lastimável acidente do qual não tivemos notícias, nossa opinião a respeito do desfile seria a mesma, isto é: não valeu, apesar de valorizarmos os esforços de todos que trabalham para que essa tradição se mantenha.
O desfile é resultante de doses elevadas de boa vontade, dedicação, disciplina, organização, trabalho e amor. É a conclusão de uma grande colheita que nasce com o carinho de mãos que plantam todas as flores que dão forma aos carros, ao último participante que deixa Haarlem no final da noite.
O Bloemencorso é a prova da Força que os move, sem pensar na hora que marca o relógio, no frio, no vento, na chuva, se é dia ou noite. E é o amor que os fortalece para enfrentar 42 km de caminhada e não pensar no cansaço. Por esse aspecto, o desfile vale muito à pena.
Creio que a visita aos carros alegóricos, em Haarlem, seja bem mais proveitosa por conta da belezura de cidade que vale à pena ser visitada com calma. Nesse caso, você mata dois coelhos com uma só cajadada.
VIAJAR
também é estar preparado para passar por sufocos e sem se abalar! Não foi o primeiro e nem será o último. Afinal, não fossem essas dificuldades, não estaria eu agora contando essa história pra vocês.
E PARA TERMINAR, segue uma amostra da beleza do roteiro do desfile.
VIAJAR é aprendizado, é divertimento, mas também é cansaço. É ser surpreendido por belas paisagens e outras nem tanto, bem como por novos sabores e costumes que nada têm a ver com os nossos. Viajar é fazer novas amizades e até encontrar sua alma gêmea; vai saber!… Viajar é também é passar por apertos… E que apertos!
É voltar para a nossa casa, para o lar, o útero que nos abriga, e deixar-se relaxar. É pensar nos momentos que acabamos de viver, ter a certeza de que tudo valeu à pena e… começar a pensar na próxima viagem. Para aonde?