IMAGEM DESTACADA: Imagem típica da Provence – janelas de madeira e flores na janela.
ENQUANTO AGUARDÁVAMOS LEONOR
Comecemos com algumas imagens de Aix, mais precisamente do Cours Mirabeau – a principal avenida da cidade onde Leonor passava de carro diariamente para nos pegar.
Chegávamos muito cedo ao Café La Belle Époque ainda com a cama nas costas de tão sonolentos e encontrar a avenida ainda mais adormecida que nós não era novidade.
Vez ou outra víamos um automóvel passar em baixa velocidade e pessoas sem a menor pressa caminhando nas largas calçadas. Tudo e todos parecendo dormir um sono só.Aconteceu que neste dia duas figuras serviram para nos despertar: a primeira impressionou-me bastante pelo conjunto da obra: alta e magra como um espaguete; para combinar, rosto fino e magro perdido em uma juba enorme que me fez lembrar as feiticeiras que vemos em filmes e desenhos animados. Nariz longo e pontiagudo – ondulado como um tobogã -, coroado por uma armação de óculos que só piorava sua aparência bizarra.
Uma figura saída de um livro de contos infantis – ou de um filme de Almodóvar? -, estava ali em minha frente ao vivo e em cores. Pensei: e a vassoura, onde estaria?
Hipnotizada por aquela visão, entre um gole e outro do café me fiz algumas perguntas em silêncio e acabei entendendo o porquê de minha mãe adorar ficar sentada em um banco da Avenida Atlântica aqui no Rio e observar o vai-e-vem das pessoas no calçadão: – Distrai, minha filha… distrai muito…; vejo cada coisa…
Agora tenho certeza, mãe: como distrai!!!
É bem verdade que um comentário desses seria bastante inconveniente e antiético caso tivesse eu mostrado o rosto da rara criatura. Evidentemente que, em nome dos bons costumes, deixei apenas o comentário. (E como dizia o poeta Vinícius de Morais: ” As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental“).
A segunda aparição ficou por conta do “pormaior” (não do pormenor) do vestido de uma bonita loura prá lá de descolada que transbordava de um decote exagerado e prático que podia atender de imediato a algumas necessidades. Foi a primeira vez que vi uma roupa (?) em um decote e não o contrário. Quem pode, pode, vamos combinar, e a louríssima podia se dar ao desfrute de mostrar a retaguarda quase que por completa.
Sou totalmente a favor da peruagem desde que se obedeça a determinados critérios.
Todo cuidado é pouco a fim de não atravessar a tênue linha existente entre a elegância – mesmo sendo extravagante -, e a vulgaridade.
De uma coisa tenho certeza: esse poderosérrimo e generosíssimo decote deve ter despertado muita gente sonolenta àquela hora da manhã. Viva Aix!
Deixamos Aix para trás e rumamos para Saint Saturnin – Les – Apt , distante 77 km – aldeia situada no Parque Natural Regional do Luberon.
Além da longa feira de antiguidades e objetos usados (as brocantes) que você logo vê ao chegar, e que atrai um movimento expressivo de turistas, a aldeia conta com dois moinhos de vento do século XVII e com ruínas de um castelo medieval.
Saint Saturnin é um lugar cercado de História que merece atenção.
Ao caminhar pelo centro da pequena vila o visitante encontrará belas mansões antigas, pórticos esculpidos, além de portas e molduras de janelas delicadamente trabalhadas. A maioria conserva o estilo provençal, tão belo quanto em sua simplicidade.
A grandeza da simplicidade: essa é a Provence.
No bairro você descobrirá que das três muralhas construídas como fortificação nos séculos XIII, XIV e XVI, só existe o Portal Ayguier.
Igreja da Imaculada no Centro de St. Saturnin, localizado a 9 km ao Norte de Apt . Ao fundo, à direita da torre da igreja, ruínas de um antigo castelo.
EIRA, BEIRA e TRIBEIRA – DO QUE SE TRATA?
Na foto acima está o exemplo de uma pessoa considerada rica, simplesmente pelo detalhe das três beiras do telhado – a tribeira que vemos abaixo da calha.
Havia quem tivesse apenas uma fileira de acabamento, a eira, e quem tivesse duas: a eira e a beira.
Chamou-me atenção a beirada do telhado de alguns prédios em St. Saturnin.
Sabemos que aqui no Brasil algumas residências ainda exibem características da arquitetura portuguesa e as duas fileiras de telhas abaixo da tribeira é uma delas.
Esse adorno foi adotado pelos portugueses que colonizaram o Brasil.
Embora em desuso, a expressão “Fulano não tem eira nem beira” foi bastante utilizada no passado para definir o poder aquisitivo de alguém. O que significa?
FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR no texto EIRA, BEIRA e TRIBEIRA define esse aspecto da arquitetura como fator discriminatório. Diz o autor: “A discriminação religiosa, política e social no Brasil Colonial estava presente em todos os lugares, por exemplo, na igreja, nas casas urbanas e rurais, pois, “[…]” os ricos construíam suas casas com três acabamentos no telhado. De baixo para cima, as partes eram chamadas eira, beira e tribeira. As casas dos pobres eram feitas apenas com tribeira”. Clique aqui para ler o texto interessantíssimo.
Quem não tinha fileira nenhuma, apenas o telhado (a cobertura), era o pobretão, o “sem eira nem beira“. Agora, rico mesmo, era aquele que construía um prédio de dois pavimentos no qual o andar térreo era destinado ao comércio. Esses, além da tribeira, também eram prováveis “donos” de escravos, condição que impunha respeito.
Esse detalhe em alguns prédios chamou-me atenção na aldeia, por ser uma característica da arquitetura portuguesa.
Coroamos nosso passeio maravilhoso com um crepe leve e saboroso em um restaurante super simpático descolado por Leonor. Merecemos.
La Restanque: 37 Avenue Jean Geoffroy, 84490 Saint-Saturnin-lès-Apt, França. +33 4 90 75 51 87
Como sempre, texto leve, divertido, romanceado e repleto de bela fotos e ótimo conteúdo cultural.
Rosinha, obrigada por seu apoio incondicional ao meu bloguinho. Beijocas miga.